O jogo dos sete erros com a comida: por que complicamos nossas escolhas?
Em estreia de blog, nossa colunista mostra que uma alimentação equilibrada pode ser muito mais simples (e gostosa) do que diz a patrulha da dieta
Sempre achei a feira livre um dos espetáculos mais bonitos da Terra. Aquele mar de cores e sabores, os feirantes vendendo frutas, legumes e simpatia, as senhorinhas jogando conversa fora com a serenidade de quem domina o tempo.
Eu não sei você, mas sinto um orgulho imenso ao chegar em casa com o carrinho carregado. Na mesa do almoço, aquela travessa farta de salada, legumes refogados, arroz, feijão, franguinho grelhado, suco feito na hora.
Ao fundo, o aparador com a fruteira lotada e um cesto de pães. Bate-se a foto e teríamos a mais perfeita imagem da refeição saudável.
Teríamos, até a “patrulha da alimentação” transformar a cena em uma espécie de jogo dos sete erros. Erros apontados por gente que, muitas vezes, nem especialista no assunto é. E que não poupam a chamada “comida de verdade”.
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Mas eu proponho um exercício: vamos achar esses supostos sete erros para, na sequência, desmistificar cada um deles?
Começo com a salada. Só tem coisa boa ali: folhas, tomatinho, cenoura e beterraba raladas, castanhas para dar crocância. Eu amo!
Mas tem quem defenda que, se ela não for orgânica, perde seu valor. Será? Não há dúvida de que orgânicos são melhores para a saúde e o meio ambiente, só que eles ainda não são acessíveis a boa parte da população.
Que fazer? Parar de comer o que vem do cultivo tradicional, alimentos também frescos e repletos de nutrientes? Não me parece uma opção.
Então, se você não puder comprar de um produtor orgânico, há alternativas para aproveitar os vegetais e minimizar o efeito dos agrotóxicos, como priorizar as espécies da estação e cultivadas por produtores locais, que geralmente levam menos pesticidas, tirar a casca e higienizar bem.
O que não dá é deixar de comer frutas, verduras e afins.
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Segundo erro dedurado por aí: refogar legumes no azeite de oliva. Quem condena argumenta que, em altas temperaturas, ele libera substâncias tóxicas.
Na panela, a mesma turma diz, só vale óleo de coco ou manteiga ghee. Bobagem. Ninguém recomenda fazer fritura por imersão com azeite (nem com qualquer outro óleo), mas, na medida certa, dá para usá-lo tanto no refogado quanto na rega da salada. Você só terá benefícios a colher.
Hora do arroz. Eu como arroz branco. Acho mais gostoso que o integral. Curto bem empapado, o que me transporta para os almoços de família da infância.
“Ah, mas, se não é integral, não tem fibras, você vai ter um pico de glicose e engordar.” Para, vai! Arroz é fonte de energia.
E ótimo se você prefere o integral. Só saiba que a cota de fibra ali também é pequena (ainda que superior à do arroz branco) e que você pode adicionar fontes fibrosas à receita e incluir demais opções na mesma refeição ou ao longo do dia.
Tenho outra pergunta: você alguma vez só almoçou arroz branco? Aí haveria algum chabu para o organismo. Mas o fato é que ele costuma acompanhar feijão, legumes, carnes… Tudo se completa.
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Quarto erro: não dá para comer frango porque é cheio de hormônio e antibiótico. Respeito os vegetarianos e procuro privilegiar o frango orgânico e que vem de granjas que se preocupam com o bem-estar animal — onde os bichos têm uma área decente para viver.
Porém, saiba que é lenda a história de que carne de frango leva hormônio — isso é proibido no Brasil desde 2004. Depois, os especialistas afirmam que o resíduo de antibióticos no alimento é insignificante, quando existe. Faz mais sentido se preocupar com o antibiótico que a gente toma — em outras palavras, tomar direito e só sob orientação médica.
Bom, agora sobrou até para as frutas. Suculentas, nutritivas… Mas tem gente que as divide em permitidas e proibidas.
Um dos critérios desse povo para separar um grupo do outro é o índice glicêmico: se for mais alto, significa que o nível de açúcar no sangue vai subir rapidinho, um problema.
Daí que só pode comer frutas “magras” e azedinhas, como morango, framboesa e mirtilo, ou aquelas com gorduras boas, caso de coco e abacate.
Pois eu digo, respaldada por nutricionistas e estudos sérios: não precisa ter preconceito com as frutas, coma de tudo. Aproveite a variedade de espécies, sabores, texturas e cheiros.
Fruta tem carboidrato, mas muito mais: vitaminas, minerais e fibras, que inclusive retardam a absorção do açúcar no corpo.
Falando em fruta, já ouviu por aí quem critique o suco natural? O erro estaria também no seu alto índice glicêmico e, nos últimos tempos, a culpa caiu particularmente no colo da frutose.
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Vamos lá. Devemos dar preferência à laranja, sim, e não ao suco, já que, em um copo, há o conteúdo de três unidades, em média — e podemos tomar num gole só. Já as frutas inteiras… A tendência é não exagerar — e lucrar com as fibras.
Porém, isso não faz do suco feito na hora um vilão ou dá a ele status de refrigerante. É a frutose industrializada, que lota bebidas artificiais (incluindo os néctares), que devemos evitar. Não a natural. Em alguns goles de suco você encontra nutrientes, refresco e, por que não, até memórias afetivas.
Como tudo na vida, só não rola abusar — e o melhor mesmo é consumir perto da refeição.
Chegamos ao sétimo suposto erro, o pão. Ah, o pão… Condenado por ser puro carboidrato, ele esboça reação com versões mais nutritivas e integrais.
Mas adianto: é possível comer pão todo dia, e até do tipo que você mais gosta (francês, de fôrma etc.).
A exemplo do que falamos sobre o suco, o que não pode é derrapar na quantidade ou comer a qualquer momento. O pulo do gato está no acompanhamento: que tal sempre consumir o pão com uma fonte de proteína, como queijos e ovos?
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E, se a ideia for fazer um lanche, botar até uma saladinha no meio? Assim você manda goela abaixo uma boa mistura de nutrientes de que o organismo precisa — incluindo o carboidrato.
Vamos facilitar em vez de complicar a alimentação? Valorizar a comida feita em casa e a diversidade de ingredientes a que temos acesso — o que, infelizmente, ainda não é um privilégio para muitos brasileiros.
Não fique comparando sua dieta com a dos outros, nem caçando erros no seu prato ou no alheio. Não há melhor nem pior: há diferenças.
Cada corpo é único, cada gosto é único. E você sabe (ou pode aprender a saber) o que te faz bem.